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10/12/10

Críticas ajudam a afinar a relação, mas precisam ser muito bem dosadas - Alberto Lima

Antes de sinalizar com algo que o aborrece no outro, cada parceiro precisa pesar direitinho se aquilo realmente merece atenção. Críticas ou queixas bem expressadas e procedentes até colaboram para o melhor entendimento do casal. Em excesso e ao mesmo tempo sem consistência, porém, atormentam e podem acabar comprometendo o próprio relacionamento.

Fazer de conta que pequenos incômodos não existem pode ser nocivo à relação. Por outro lado, o foco excessivo em toda e qualquer contrariedade tem grande chance de conduzir o amor à bancarrota. Como, então, estabelecer a justa medida?
Não é fácil, pois não se trata simplesmente de achar um meio-termo, dar valor a meia dúzia de coisas e deixar outra meia dúzia passar. A definição do que merece atenção e providências requer uma reflexão sobre os valores que norteiam o casal, seus planos e visões de felicidade e de futuro, sua concepção de vida conjunta, sua forma de compreender o amor, sua disponibilidade para as diferenças, sua ética, a abertura de um com relação ao outro. Isso dá trabalho. Mas o trabalho e as consequências que podem decorrer da prática de varrer aborrecimentos importantes para debaixo do tapete com certeza são maiores. Além do mais, queixas e críticas também geram insatisfação, tanto para quem as formula quanto para quem as recebe. É melhor, então, que se tenha um trabalho grande, mas cheio de esperanças e com bom prognóstico, e se faça a avaliação justa e madura de todos esses elementos. Examinados com respeito, determinarão quais situações são relevantes, e portanto merecedoras de atenção, de assinalamento, de diálogo; quais são indiferentes a ponto de dispensar qualquer providência; e quais são de pequena monta e, portanto, passíveis de aceitação e tolerância.
Queixas e críticas são assuntos muito delicados. Requerem cuidado. Assim, a atitude mais apropriada para abordar incômodos é a amorosidade. A mais lesiva é a presunção, a ingênua crença de que os próprios valores deveriam ser universalmente válidos - postura incompatível com o amor e que revela despreparo para a vida em comum.
Não raro, o traço ou atributo visto como causador de incômodo ou irritação é algo que falta à pessoa que se queixa. Talvez nem devesse faltar. Se fosse capaz de fazer uma avaliação madura e cuidadosa, quem sabe até o queixoso reconhecesse a inveja contida em sua percepção crítica. "É que Narciso acha feio o que não é espelho", explica o compositor Caetano Veloso (68) em Sampa. Um exame consciencioso poderia transformar em admirável a qualidade antes vista como perturbadora ou inadequada.
Acontece também de o motivo alegado para o incômodo estar presente no queixoso, sem que se dê conta. Ele reclama que o outro é lento para se vestir, por exemplo, mas não percebe a própria lentidão para tomar decisões - a despeito de ser ágil para pôr a roupa. Sua lentidão é considerada legítima, mas a do outro, não.
E há, claro, aqueles quesitos "sem os quais não dá", ou na presença dos quais fica inviabilizada a relação como um todo. É difícil conviver com alguém que cuida mal da higiene pessoal ou que só consegue entrar em contato por meio da agressão. Ainda assim, se existe amor, se houve ou há algo positivo naquela pessoa, o suficiente para ela ter sido escolhida como parceira amorosa, certamente haverá também uma forma delicada e cortês de lidar com a dificuldade. Pensar em como se gostaria de ser abordado em situação semelhante ajuda a encontrar um jeito de apresentar sua apreciação (sim, apreciação) ao outro. E, uma vez iniciado o diálogo, meio caminho está andado para superar o problema.
* Alberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).

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