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10/12/10

Casais nem sempre compreendem a comunicação que existe na relação - Paulo Sternick

Numa união, a comunicação dos parceiros é profunda e complexa. Ocorre por meio das trocas objetivas, das permutas afetivas e sexuais concretas ou através daquilo que um passa para o outro em mensagens cifradas, que nem sempre são entendidas. Essas últimas têm consequências em cada parceiro e na própria relação. É importante saber disso, pois até podem levar a doenças.

O poeta inglês John Keats (1795-1821) tratou em seus textos do que chamou capacidade negativa, ideia curiosa com a qual não estamos habituados. Capacidade, afinal, não é uma competência positiva? Mas, se pensarmos bem, há a habilidade de jogar mal futebol, de fazer uma besteira - até se diz, em certas ocasiões, "como você foi capaz de fazer uma coisa dessas!" Keats quis chamar a atenção, porém, para algo ainda mais instigante: a capacidade de não sermos presunçosos, oniscientes e onipotentes. Ou seja, não raro precisamos de um dom mais ligado ao reconhecimento dos limites, admitir que não sabemos ou não podemos compreender, controlar e prever muitas coisas que ocorrem. Uma capacidade negativa.
A experiência do amor é uma delas. Trata-se de uma comunicação das mais profundas e complexas entre as pessoas. Mas nem sempre os parceiros têm noção de que se movem praticamente em dois ambientes, quase como se vivessem em universos paralelos. Há o ambiente das trocas objetivas, das permutas afetivas e sexuais concretas. Mas há também o que cada um, sem perceber, transmite para o outro por meio de mensagens reciprocamente cifradas, que nem sempre são entendidas e decodificadas, embora não deixem de ir causando seus efeitos em cada um e na união.
É importante saber disso, pois, no limite negativo, até doenças as mensagens cifradas podem ajudar a causar. Explico: nós, psicanalistas, investigamos as camadas desconhecidas e estranhas da mente, das quais conteúdos subjetivos podem ser postos para fora por meio de mecanismos psicológicos que denominamos "projeções". Do mesmo jeito, somos capazes de por para dentro, subjetivamente e sem perceber, estes conteúdos alheios, que passam a exercer influência em nós. A experiência comum prova o que digo: lembram-se quando saem de um encontro se sentindo bem, autoconfiantes, com a autoestima elevada, ou, ao contrário, com moral baixa e desestimulados, sem saber por quê? Ele ou ela podem ser alvos da admiração e da afeição dos respectivos pares, recebendo na maioria das vezes "projeções" positivas e amorosas - o que os faz se sentir bem. Mas também podem ser alvo de um olhar superior e indiferente, ou depressivo, ou invejoso, cheio de mágoas e ressentimentos não necessariamente causados pela própria relação. Já imaginaram ser objeto da depressão do outro - sentindo-se pra baixo com frequência sem saber o motivo? Ou ser objeto do desprezo inconsciente do par possuidor de caráter competitivo, ele próprio bem-sucedido, e que precisa vencer, colocar o outro em plano inferior?
Claro, nada de se autovitimar. Que cada um se defenda, ninguém deve ser responsabilizado pelos problemas que só competem aos adultos assumirem, certo? Errado! Acho que todos os que se relacionam são responsáveis pela qualidade da convivência, pela ética para com o parceiro, pelo bem-estar e pela incolumidade de quem convive consigo. Mas, infelizmente, grande parte dessas trocas subjetivas são inconscientes e se passam sem controle.
O paradoxo é que o fato de ser inconsciente não exime ninguém de ser responsável por si como um todo. O que também é um convite aos parceiros para ficarem de olhos bem abertos sobre como podem ser influenciados por aspectos que saem, não raro inadvertidamente, dele ou dela. Se forem conteúdos amorosos, claro, serão muito bem recebidos!
* Paulo Sternick é psicanalista no Rio de Janeiro (Leblon, Barra e Teresópolis).

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