Tenho viajado bastante para companhar algumas
pré-estreias do filme Divã, baseado no meu livro homônimo. Delícia de tarefa,
ainda mais quando a gente gosta de verdade do trabalho realizado, e esse filme
realmente ficou enxuto, delicado e emocionante. Além disso, ainda consegue me
provocar. A personagem Mercedes (vida pela incrível Lilia Cabral) está fazendo
análise e leva pro consultório muitos questionamentos sobre sua vida. Até que,
passado um tempo, finalmente relaxa e se dá conta de que não há outra saída a
não ser conviver com suas irrealizações. Diante disso, o analista sugere alta,
no que ela rebate: "Alta? Logo agora que estou me
divertindo?"
Eu tinha esquecido dessa parte do livro, e
quando vi no filme, me pareceu tão cristalino: um dos sintomas do amadurecimento
é justamente o resgate da nossa jovialidade, só que a não jovialidade do corpo,
que isso só se consegue até certo ponto, mas a jovialidade do espírito, tão mais
prioritária. Você é adulto mesmo? Então pare de de reclamar, pare de buscar o
impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar
lógica para tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros,
pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se.
Não que seja fácil. Enquanto que um corpo
sarado obtém com exercícios, musculação, dieta e discernimento quanto aos
hábitos cotidianos, a leveza de espírito requer justamente o contrário: a
libertação das correntes. A aventura do não domínio. Permita-se o erro. Não se
sacrificar em demasia, já que estamos todos caminhando rumo a um mesmo destino,
que não é nada espetacular. É preciso perceber a hora de tirar o pé do
acelerador, afinal, quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a
travessia.
Dia desses recebi o e-mail de uma mulher
revoltada, baixo-astral, carente de frescor, e fiquei imaginando como deve ser
difícil viver sem abstração e sem ver graça na vida, enclausurada na dor. Ela
não estava me xingando pessoalmente, e sim manifestando sua contrariedade em
relação ao universo, apenas isso: odiava o mundo. Não a conheço, pode sofrer de
depressão, ter um problema sério, sei eu. Só sei que há pessoas que apresentam
quadro depressivo e ainda assim não perde o humor nem que queiram: tiveram a
sorte de nascer com esse refinado instinto de sobrevivência.
Dores, cada um tem as suas. Mas o que nos faz
cultivá-las por décadas? Creio que nos apegamos com desespero a elas por não ter
o que colocar no lugar, caso a dor se vá. E então fica ruminando, alimentando a
própria "má sorte", num processo de vitimização que chega ao nível do absurdo.
Por que fazemos isso conosco?
Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer
algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para
justificar nossa existência.
(5 de abril de 2009)
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