Outro dia
assisti a um filme no DVD do qual nunca tinha ouvido falar - talvez porque nem
chegou a passar nos cinemas. Chama-se Vida de casado, um drama enxuto, com apenas no¬venta minutos de duração e jeito
de clássico. Gostei bastante. Um homem casado há muitos anos se apaixona por uma bela garota e
com ela quer viver, mas não sabe como terminar seu casamento sem que isso
humilhe a venerável esposa, então decide que é melhor matá-la para que ela não
sofra: não é uma solução amorosa? Se fosse para resumir o filme numa única
frase, seria: "Ninguém sabe o que está se passando pela cabeça da pessoa que
está dormindo ao nosso lado".
Será que nós sabemos, de
verdade, o que acontece a nossa volta? Achamos que sabemos.
Achamos que sabemos
quais são as ambições de nossos filhos, o que
eles planejam para suas vidas, esquecendo que a complexidade humana também é
atributo dos que nasceram do nosso ventre, e que por mais íntimos e abertos que
eles sejam conosco, jamais teremos noção exata de seus desejos mais
secretos.
Achamos que sabemos o que o amor
da nossa vida sente por nós, baseados em suas declarações afetuosas, seus
olhares temos, suas gentilezas intermináveis e sua permanência, isso diz tudo
mesmo? Nem sempre temos conhecimento das carências mais profundas daquele que
vive sob o nosso teto, e não porque ele esteja sonegando alguns de seus
sentimentos, mas porque nem ele consegue explicar para si mesmo o que lhe dói e
o que ainda lhe falta.
Achamos que sabemos quais são as
melhores escolhas para nossa vida, e é verdade que alguma intuição temos mesmo,
mas certeza, nenhuma. Achamos que sabemos como será envelhecer, como será ter
consciência de que se está vivendo os últimos anos que nos restam, como será
perder a rigidez e a saúde do corpo, achamos que sabemos como se deve enfrentar
tudo isso, mas que susto levaremos quando chegar a hora.
Achamos que sabemos o que pensam
as pessoas que nos fazem confidências. Aceitamos cada palavra dita e nos
sentimos honrados pelas informações recebidas, sem levar em conta que muito do
que está sendo dito pode ser da boca pra fora, uma encenação que pretende
justamente mascarar a verdade, aquela verdade que só sobrevive no silêncio de
cada um.
Achamos que sabemos decodificar
sinais, perceber humores, adivinhar pensamentos, e às vezes acertamos, mas
erramos tanto. Achamos que sabemos o que as pessoas pensam de nós. Achamos que
sabemos amar, achamos que sabemos conviver e achamos que sabemos quem de fato
somos, até que somos pegos de surpresa por nossas próprias reações.
Achar é o mais longe que
podemos ir nesse universo repleto de segredos, sussurros, incompreensões,
traumas sombras, urgências, saudades, desordens emocionais, sentimentos velados,
todas essas abstrações que não podemos tocar, pegar nem compreender com
exatidão. Mas nos conforta achar
que sabemos.
Martha
Medeiros - 19 de abril de
2009 do
livro "Feliz por
Nada"
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